Jorge Tadeu da Silva
Em
fevereiro de 1922,
realiza-se em São
Paulo a Semana de
Arte Moderna. O
objetivo dos
organizadores era
acima de tudo a
destruição das
velhas formas
artísticas na
literatura, música e
artes plásticas.
Paralelamente,
procuravam
apresentar e afirmar
os princípios da
chamada arte
moderna, ainda que
eles mesmos
estivessem confusos
a respeito de seus
projetos artísticos.
Oswald de Andrade
sintetiza o clima da
época ao afirmar:
"Não sabemos o que
queremos. Mas
sabemos o que não
queremos." A
proposição de uma
semana (na verdade,
foram só três
noites) implicava
uma amostragem geral
da prática
modernista.
Programaram-se
conferências,
recitais,
exposições,
leituras, etc. O
Teatro Municipal foi
alugado. Toda uma
atmosfera de
provocação se
estabeleceu nos
círculos letrados da
capital paulista.
Havia dois partidos
na cidade: o dos
futuristas e o dos
passadistas.
Desde a abertura da
Semana, com a
conferência
equivocada de Graça
Aranha: A emoção
estética na Arte
Moderna, até a
leitura de trechos
vanguardistas por
Mário de Andrade,
Menotti del Picchia,
Oswald de Andrade e
outros, o público se
manifestaria por
apupos e aplausos
fortes.
Porém, o momento
mais sensacional da
Semana ocorre na
segunda noite,
quando Ronald de
Carvalho lê um poema
de Manuel Bandeira,
o qual não
comparecera ao
teatro por motivos
de saúde: Os sapos.
Trata-se de uma
ironia corrosiva aos
parnasianos, que
ainda dominavam o
gosto do público.
Este reage através
de vaias, gritos,
patadas,
interrompendo a
sessão. Mas,
metaforicamente, com
sua iconoclastia
pesada, o poema
delimita o fim de
uma época cultural:
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
'- Meu pai foi à
guerra
- Não foi! - Foi! -
Não foi!' O
sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado
Diz: - 'Meu
cancioneiro
É bem martelado*.'
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca
rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento* sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta
anos
Que lhe dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a sapataria
Em críticas céticas:
'Não há mais poesia,
Mas há artes
poéticas...'
Brada de um assomo
O sapo-tanoeiro:
'A grande arte é
como
Lavor de Joalheiro'
Urra o sapo-boi:
'- Meu pai foi rei -
Foi!
- Não foi! - Foi! -
não foi!'
Principais
participantes da
Semana
Literatura:
Mário de Andrade -
Oswald de Andrade -
Graça Aranha -
Ronald de Carvalho -
Menotti del Picchia
- Guilherme de
Almeida - Sérgio
Milliett
Música e Artes
Plásticas: Anita
Malfatti - Di
Cavalcanti - Santa
Rosa - Villa-Lobos -
Guiomar Novaes
A importância
estética da Semana
Se
a Semana é realizada
por jovens
inexperientes, sob o
domínio de doutrinas
européias nem sempre
bem assimiladas,
conforme acentuam
alguns críticos, ela
significa também o
atestado de óbito da
arte dominante. O
academicismo
plástico, o
romantismo musical e
o parnasianismo
literário
esboroam-se por
inteiro. Ela cumpre
assim a função de
qualquer vanguarda:
exterminar o passado
e limpar o terreno.
É
possível, por outro
lado, que a Semana
não tenha se
convertido no fato
mais importante da
cultura brasileira,
como queriam muitos
de seus integrantes.
Há dentro dela, e no
período que a sucede
imediatamente
(1922-1930), certa
destrutividade
gratuita, certo
cabotinismo, certa
ironia superficial e
enorme confusão no
plano das idéias..
Mário de Andrade
dirá mais tarde que
faltou aos
modernistas de 22 um
maior empenho
social, uma maior
impregnação "com a
angústia do tempo".
Com efeito, os
autores que
organizaram a Semana
colocaram a
renovação estética
acima de outras
preocupações
importantes. As
questões da arte são
sempre remetidas
para a esfera
técnica e para os
problemas da
linguagem e da
expressão. O
principal inimigo
eram as formas
artísticas do
passado. De qualquer
maneira, a rebelião
modernista destrói o
imobilismo cultural
- que entravava as
criações mais
revolucionárias e
complexas - e
instaura o império
da experimentação,
algo de
indispensável para a
fundação de uma arte
verdadeiramente
nacional.
Caberia ainda ao
próprio Mário de
Andrade - verdadeiro
líder e principal
teórico do movimento
- sintetizar a
herança de 1922:
A
estabilização de uma
consciência criadora
nacional, preocupada
em expressar a
realidade
brasileira. A
atualização
intelectual com as
vanguardas
européias. O direito
permanente de
pesquisa e criação
estética.
A Semana e a
realidade brasileira
A
Semana de Arte
Moderna insere-se
num quadro mais
amplo da realidade
brasileira. Vários
historiadores já a
relacionaram com a
revolta tenentista e
com a criação do
Partido Comunista,
ambas de 1922.
Embora as
aproximações não
sejam imediatas, é
flagrante o desejo
de mudanças que
varria o país, fosse
no campo artístico,
fosse no campo
político.
Um
dos equívocos mais
freqüentes das
análises da Semana
consiste em
identificá-la com os
valores de uma
classe média
emergente. Ela foi
patrocinada pela
elite agrária
paulista. E os
princípios nela
expostos
adaptavam-se às
necessidades da
refinada oligarquia
do café. Uma
oligarquia
cosmopolita, cujos
filhos estudavam na
Europa e lá entravam
em contato com o
"moderno". Uma
oligarquia desejosa
de se diferenciar
culturalmente dos
grupos sociais.
Enfim, uma classe
que encontrava no
jogo europeísmo
(adoção do "último
grito" europeu) -
primitivismo
(valorização das
origens nacionais) -
que marcaria a
primeira fase
modernista - a
expressão
contraditória de
suas aspirações
ideológicas.
Outro equívoco é
considerar o
movimento como
essencialmente
antiburguês. O poema
Ode ao burguês, de
Mário de Andrade, e
alguns escritos de
outros participantes
da Semana podem
levar a esta
conclusão. Mas não
esqueçamos que a
burguesia rural,
vinculada ao café,
apoiou os jovens
renovadores. E, além
disso, toda crítica
dirigia-se a um tipo
de burguesia urbana,
composta geralmente
de imigrantes,
inculta, limitada em
seus projetos, sem
grandeza histórica,
ao contrário das
camadas
cafeicultoras, cujo
nível de refinamento
cultural e social
era muito maior.
Neste caso, os
modernistas se
comportam como
aqueles velhos
aristocratas que
menosprezam a
mediocridade dos
"novos-ricos". No
início da década de
30, Oswald de
Andrade já
perceberia o quão
contraditória era a
sua crítica ao
universo das classes
citadinas. Daí o
prefácio do romance
Serafim Ponte
Grande, em 1933.
A
situação
"revolucionária"
desta bosta mental
sul-americana,
apresentava-se
assim: o contrário
do burguês não era o
proletário - era o
boêmio! As massas,
ignoradas no
território e como
hoje, sob a completa
devassidão econômica
dos políticos e dos
ricos. Os
intelectuais
brincando de roda.
*
Iconoclasta:
destruidor de
ícones, de valores
consagrados.
*
Enfunando: inflando.
*
Martelado: alusão ao
martelo do escultor,
com quem o poeta
parnasiano se
comparava.
*
Frumento: o melhor
trigo.
*
Cognatos: que tem a
mesma raíz.
Fonte:
Terra Educação
Mais
informações:
Museu de Arte
Contemporânea da USP
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