O Ato Institucional nº 5 (AI-5)
acentuou o caráter ditatorial do governo militar instalado em
1964 no Brasil. Com ele, o Congresso Nacional e as Assembléias
Legislativas estaduais foram colocados em recesso, e o
presidente, à época o general Costa e Silva, passou a ter
plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender
direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros
funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em
crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto,
julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras
medidas autoritárias. Paralelamente, nos porões do regime,
generalizava-se o uso da tortura, do assassinato e de outros
desmandos. Tudo em nome da "segurança nacional".
O ano de 1968,
"o ano que não acabou", ficou marcado na história mundial e na
do Brasil como um momento de grande contestação da política e
dos costumes. O movimento estudantil celebrizou-se como protesto
dos jovens contra a política tradicional, mas principalmente
como demanda por novas liberdades. O radicalismo jovem pode ser
bem expresso no lema "é proibido proibir". Esse movimento, no
Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o
regime: intensificaram-se os protestos mais radicais,
especialmente o dos universitários, contra a ditadura. Por outro
lado, a "linha dura" providenciava instrumentos mais
sofisticados e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.
Também no
decorrer de 1968 a Igreja começava a ter uma ação mais
expressiva na defesa dos direitos humanos, e lideranças
políticas cassadas continuavam a se associar visando a um
retorno à política nacional e ao combate à ditadura. A
marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais -
Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart - tivera o
efeito de associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas
atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís
Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. Pouco depois, o
ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado
de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes
sindicais. Uma greve dos metalúrgicos em Osasco, em meados do
ano, a primeira greve operária desde o início do regime militar,
também sinalizava para a "linha dura" que medidas mais enérgicas
deveriam ser tomadas para controlar as manifestações de
descontentamento de qualquer ordem. Nas palavras do ministro do
Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo precisava ser mais
enérgico no combate a "idéias subversivas". O diagnóstico
militar era o de que havia "um processo bem adiantado de guerra
revolucionária" liderado pelos comunistas.
A gota d'água
para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado
Márcio Moreira
Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando
um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares
do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade",
se recusassem a sair com oficiais. Na mesma ocasião outro
deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no
Correio da Manhã considerados provocações. O ministro do
Exército, Costa e Silva, atendendo ao apelo de seus colegas
militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que
esses pronunciamentos eram "ofensas e provocações irresponsáveis
e intoleráveis". O governo solicitou então ao Congresso a
cassação dos dois deputados. Seguiram-se dias tensos no cenário
político, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao
Brasil, e no dia 12 de dezembro a Câmara recusou, por uma
diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena), o
pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.
No dia
seguinte foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da
República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação
judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir
nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares;
suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer
cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e
suspender a garantia do habeas-corpus. No preâmbulo do ato,
dizia-se ser essa uma necessidade para atingir os objetivos da
revolução, "com vistas a encontrar os meios indispensáveis para
a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país".
No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por
tempo indeterminado - só em outubro de 1969 o Congresso seria
reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu
Médici para a Presidência da República.
Ao fim do mês
de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre
eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações
aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só
parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O
AI-5 não só se impunha como um instrumento de intolerância em um
momento de intensa polarização ideológica, como referendava uma
concepção de modelo econômico em que o crescimento seria feito
com "sangue, suor e lágrimas".
Mas, sobretudo, o
AI-5 atingiu o que restava de esperança de mudar o Brasil,
fazê-lo voltar ao caminho democrático, após o desvio de rota
causado pelo golpe de 1964. Em conseqüência do Ato
5, muitos dos jovens que se empenhavam na oposição
ao regime militar optaram pela luta armada.
Outro ponto importante a ser
ressaltado é o
fato de muitos dos personagens que participaram da decretação
do regime de exceção, ou dele foram beneficiários, hoje
posarem de democratas radicais, lutadores contra o
autoritarismo. Alguns só faltam dizer que foram perseguidos
pelo regime militar, quando na verdade foram seus
instrumentos. Outro é o caso daqueles que foram efetivamente
punidos pelo AI-5, e hoje dão as mãos – e quem sabe mais o quê
– aos seus antigos algozes. Estes escolheram um novo rumo para
suas vidas.
Importante
publicar aqui este acontecimento triste da história
brasileira como forma de recuperação daquele passado, para que nosso
país não venha a repeti-lo, seja por que pretexto for; para
aqueles que não viveram os anos duros do regime militar, que
sirvam para que conheçam um momento particularmente importante
da nossa história, que valeu, pelo menos, para que muitos
brasileiros dessem provas de um espírito de luta em favor da
liberdade e da justiça como poucas vezes se
viu.
Fontes: Fundação
Perseu Abramo,
CPDOC/FGV e
Folha de S.Paulo |