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Manuel Bandeira

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Arte de Amar

 

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma e que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

 

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Desencanto

 

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.

 

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Profundamente

Quando ontem adormeci
na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondo de bombas luzes de bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas
No início da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
- Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente

 

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Poemeto Erótico

 

"Teu corpo é tudo o que brilha
Teu corpo é tudo o que cheira
Rosa, flor de laranjeira

Teu corpo, claro e perfeito
Teu corpo de maravilha
Quero possuí-lo no leito estreito da redondilha

Teu corpo, branco e macio
E' como um véu de noivado.
Teu corpo é pomo doirado,
Rosal queimado de estio
Desfalecido em perfume
Teu corpo é a brasa do lume

Teu corpo é chama
E flameja como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes a água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama, volúpia da água e da chama

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira.

A todo momento o vejo
Teu corpo, a única ilha no oceano do meu desejo."

 

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O Último Poema

 

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

 

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BIOGRAFIA

 

Poeta brasileiro. Um dos nomes mais importantes do modernismo, considerado um clássico da literatura brasileira no século XX. Foi membro da ABL.


Um dos maiores poetas do modernismo, Manuel Bandeira é também considerado um clássico da literatura brasileira no século XX. Sua obra caracterizou-se pela simplicidade alcançada graças a um esforço de redução às essências, quer no plano temático, quer no da linguagem.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife PE em 19 de abril de 1886. Ainda jovem, mudou-se para o Rio de Janeiro RJ, concluindo estudos no Colégio Pedro II.

 

Mais tarde abandonou o curso de arquitetura por motivo de doença (tuberculose) e em 1913 internou-se no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde conheceu o poeta francês Paul Éluard. De volta ao Brasil iniciou em periódicos sua produção literária. Conforme confessou o próprio poeta, sua vida não teve grandes acontecimentos. Foi professor de literatura hispano-americana na Faculdade Nacional de Filosofia e elegeu-se para a Academia Brasileira de Letras em 1940.


Sua vida revela-se em sua obra, onde temas universais como o amor e a morte são tratados no nível da experiência diária, embora alcançando uma generalidade que ultrapassa de muito a condição biográfica. De seu primeiro livro, A cinza das horas (1917), em que se evidenciam as raízes tradicionais de sua cultura, até sua última obra poética, Estrela da tarde (1963), Bandeira revelou grande capacidade de adaptar-se aos mais diferentes estilos e formas, percorrendo uma trajetória que vai da musicalidade difusa do simbolismo a experiências de poesia espacial e concreta.

 

Pode ser visto, assim, como um virtuose da arte poética, e sua poesia percorreu um longo processo de amadurecimento, cujo início coincide com suas primeiras experiências como modernista. Isto, entretanto, não bastaria para classificá-lo como um grande poeta, tal como é considerado unanimemente pela crítica. Sua poesia ultrapassou a condição de mestria na técnica do verso e ganhou uma dimensão mais profunda pela unidade temática que pode ser surpreendida na diversidade de formas.

 

Característico dessa unidade profunda é o humor poético de Bandeira. Embora tido como precursor pelas inovações surpreendentes de seu livro Carnaval (1919), no qual figura o poema "Os sapos", uma das pedras de toque do movimento modernista, o humor de Bandeira só se desenvolveu plenamente em seu quarto livro, Libertinagem (1930). Nessa obra, que consolidou seu prestígio, tornou-se visível a influência da Semana da Arte Moderna de 1922, com suas experiências libertárias.

 

Modernista, Bandeira declarou-se contrário ao "lirismo funcionário público", preferindo "o lirismo difícil e pungente dos bêbedos / o lirismo dos clowns de Shakespeare". Mas esse "lirismo pungente" não seria mais revelado só através de versos românticos, como em A cinza das horas. A intervenção da inteligência crítica, colidindo com a sensibilidade profundamente romântica do poeta, produziria o humor. Este marcaria seus versos com a auto-ironia, como em "Pneumotórax", em contraposição ao desencanto romântico.

 

O humor manifestou-se também como fruto da observação do cotidiano, transfigurando-o, como em "As três mulheres do sabonete Araxá", ou por meio de alusões literárias e inversões. Cite-se, por exemplo, o verso "a primeira vez que vi Teresa", alusão irônica ao célebre "a vez primeira que fitei Teresa" de Castro Alves. A inversão mais profunda surge em "Momento num café", onde alguém se descobre diante de um cortejo em que o corpo passa "liberto para sempre da alma extinta". O que lembra outra inversão num poema erótico em que "os corpos se entendem, mas as almas não".

 

Além dos livros de poesia citados, Bandeira deixou ainda os seguintes: Ritmo dissoluto, publicado pela primeira vez em Poesias (1924); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinqüent'anos, publicado pela primeira vez em Poesias completas (1940); Belo belo, que surgiu na edição de 1948 das Poesias completas; Mafuá do malungo (1948) e Opus 10 (1952).

 

Foi como poeta que Manuel Bandeira conquistou sua posição de relevo na literatura brasileira, mas seria injusto relegar a plano secundário a prosa límpida de seus ensaios, crônicas e memórias. Nesse campo, publicou obras como De poetas e de poesias (1954), Intinerário de Pasárgada (1957), Flauta de papel (1957) e Andorinha, andorinha (1966).

 

Deve-se destacar igualmente seu trabalho como escritor didático e organizador de numerosas antologias, trabalho que pode ser ilustrado por títulos como Noções de história da literatura (1940), Apresentação da poesia brasileira (1946), Literatura hispano-americana (1949) e Gonçalves Dias (1952).

 

O poeta de amplos recursos foi também um exímio tradutor de poesia. Além da bela coletânea dos seus Poemas traduzidos (1945), construiu textos notáveis ao passar para o português obras de Schiller (Maria Stuart, 1955), Shakespeare (Macbeth, 1961) e Brecht (O círculo de giz caucasiano, 1963), entre muitos outros autores. Manuel Bandeira morreu no Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1968. Suas poesias completas haviam sido reunidas, pouco antes, em Estrela da vida inteira (1966).

 

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Postadas em agosto de 2005

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